sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Natália




Natália

Jovem serena e cuidada
Eras mulher bem feliz
Mas eis que uma rajada
Te desconjuntou pela raiz

Perdeste tua diária bissectriz
Permitia-te ser imperatriz
Ainda não achaste a matriz
Pra fechar tão grande cicatriz

Por cada porta que encerra
Logo ELE outra descerra
Não julgues ser uma guerra
Porque te sentes sem terra

Cabe-te escancará-la
Verás que é uma gala
Embora a sintas custosa
Talvez até mui odiosa

Segue o SEU caminho
Ainda que iluda desalinho
Vais por certo achar ninho
Capaz de te dar carinho

JP


23/Dez/2014

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A Lágrima







A Lágrima


Brota sempre do coração
Ganha forma caprichada
Solta-se abrasiva em golfada
Obviamente a da paixão
Escorre acrimoniosa
Trémula e pungente
Vem ferida da mente
Tão só a da tristeza
Estira-se como a onda do mar
Avança deslizando pelo ar
Despuma-se em condoimento
Sem dúvida a do enternecimento
Provem de glaciar
Teima em supliciar
Perde-se-lhe o norte
É claro a da morte
Apesar de estacional
E aferrada à efemeridade
Derrama-se emocional
É mesmo a da saudade
Irrompe saltitante
Pode ser esfuziante
Passageira na euforia
Justamente a d’alegria
Qual rápido em riacho
Corre sempre em exagero
Vira mesmo berbicacho
É a tal do desespero
Espontânea e cristalina
Esfuma-se na pitança
De um carinho supina
Exclusiva a da criança
Jorra impetuosa e salgada
Incontida em lamaceira
Mantém-se destemperada
Com certeza a da cegueira
Mareja-nos os olhos
Invade os sentidos
 Mostra-nos o castelo
Efectivamente a do belo
Germina afrontosa
Ferve muita rabiça
Borbulha penosa
Falamos a da injustiça
Desponta lamuriosa
Umas vezes furiosa
Outras mui biliosa
Trata-se da dolorosa
Solta-se envergonhada
Escondida na injusteza
Aninha-se curvada
Por certo a da pobreza
Eflui e congela
Fixa-se na remela
Subsiste mordente
Com efeito a impotente
Desperta medrosa
Escapa silenciosa
Traça sulco na face
Temendo o desenlace
Goteja então caudalosa
Mesmo algo nebulosa
Mas logo um esplendor
Logra fulgor. A do amor


JP


Dez/2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Amigos Eternos



Eternidades

I

Seu nome era Valdemar
Colega e aluno doutrinal
Dei com ele no alto mar
Encarpelado pelo mal

Confessa-me sua volição
Já mui arrependido então
Incrédulo pela relatação
Ainda tentei mas em vão
Que lhe provessem uma mão

Doou-nos suas abordagens
Seguiu para outras viagens
Decerto com mil vantagens
Deixando muitas friagens

II

Houve também o Lopes
Colega e aluno singular
Sempre de alma a sangrar
Nunca achou onde aportar

Desapareceu além-mar
Regressou para assentar
Compareceu ao altar
Mas não chegou a atracar

Retornado à sua origem
Perseguiu alta miragem
No mundo de libertinagem
Sem lobrigar ancoragem
Deixando porém boa imagem

III

Surgiu também o Inácio
Comunista mui humanista
Construiu em si um palácio
Esculpido como harmonista

Iluminou-o de sabedorias
Adereçou-o de benfeitorias
Emoldurou-o de alegorias
De imensas e belas iguarias

Mestre de mil formoseados
Inda hoje muito ilustrados
Cedo apercebeu sua ida
Sem qualquer raiva contida
Foi-se sem uma despedida
Deixando-me a alma fendida


IV

Chegou ainda o Carlos
Conhecido por Romão
Era uma alta distinção
Em multi polivalências
Nunca dizendo não
Mesmo às prepotências

Se foi prematuramente
Recusando ternamente
E muito calmamente
Cuidar da sua fronte
Pra não estar ausente
No agente. Assiduamente
Deixando-me horrente

V
Ainda existiu outro Lopes
Seus peitos eram dos Santos
Abusando de seus quebrantos
Questionaram seus afeitos
Jogaram-lhe com confeitos

Roubaram-lhe o remanso
Fazendo-o passar por tanso
Quando era apenas manso

Sofrendo como um servil frade
Desígnio da sua bondade
Exibiu sempre simplicidade
A todos oferecia amizade
Devotando generosidade
Deixando-me eterna saudade

 VI

Surdiu um tal Senhor Brás
Foi um amigo de cartaz
Como meu patrão um ás
Só que um tal de Ferraz
Todo ele infiel capataz
Encordoou este cabaz

Perdemos as estimas
Metemo-nos em esgrimas
Fomos triviais vítimas
De nossas próprias frimas

Esquecendo as ateimas
Logramos novas enzimas
Mas já sem tempo pra rimas
Deixou-nos de almas vazias

VII

Fulgiu também o Carvalho
Era o Hélder no seu trabalho
Abrigo das minhas dúvidas
Alentou-me as desprazidas
Humorando com lambidas
Todas as minhas feridas

Olvidando seus desprazeres
Libertou-se dos afazeres
E purgado de malquereres
Resgatou suas filosofias
Amoldou-as aos seus lemas
E deixou-nos com dilemas

VIII

Existiu também o Luís
Que só pra me fazer feliz
Azul e branco foi por um triz
Demostrando seu belo cariz

Foi-se com muita sobriedade
Decerto incontendo na ementa
Quão intensa era a fatalidade
 Com que legava sua tormenta

 Estávamos no início das estimas
Já com várias e boas arrimas
Mas uma vez colhidas as vindimas
Deixou-me sem apetência de rimas

IX

Apareceu-me o Canedo
Homem sem medo
De farta inteligência
E repleto de paciência

Tarde soube sua partida
Não houve então despedida
Quedou-me arrependido
E deveras compungido

X

No noivado do Amial
Conheci um Horta jovial
Tratou-me tão bacanal
Pra sempre foi amical

Não mais inolvidei
Quem reparou em mim
Fez-me sentir rei
Inda era benjamim

Não se ficou por aqui
Tão logo lhe pedi
Acedeu ao desejo
Concedeu-me almejo

Foi meu almirante
Pondo sempre diante
Crença gratificante
Sustendo aliciante

Cercearam-lhe o destino
Talvez perdido o tino
Terminou esquecido
Por tanto desagradecido
  
Na sua última viagem
Já sem fina linhagem
Foi-se um bom amigo
Quedando-me mais mendigo


XI

              Irrefragável dama
              Emília era a chama
              Sorria pras almas
                Até pras mais infamas

               Sua postura apurada
Manteve-se imaculável
   Perante facto censurável
      Sorria meiga não abrumada

Inopinamente feneceu
Foi quem mais se pareceu
Ao jeito de minha mãe estar
Eleita para me levar ao altar
Nunca declinarei seu recordar


XII

Existiu também o Edgar
Ao início só pra gozar
Pois era um acriançar
Agarrado ao meu bazar

Meti-me por outro atalho
Esqueci-me do pirralho
Agindo como paspalho
Foi mesmo um enxovalho

Fugazmente o encontrei
Mesmo aí jamais me dei
Glosei-o com tontarias
Nessas curtas cantarias

Nos torvelinhos das vidas
Entrou-me portas adentro
Ignorava suas doídas
Deu-se insigne reencontro

Achegou-se logo a mim
Permitiu-me com afim
Redimir-me em frenesim,
Ofereci-lhe meu jardim

 Contemplei sua revivescência
Com muita efervescência
Acreditei mesmo na servência
Da minha saudável valência

Amodorrou-se em sono de ouro
Caiu sonhando com o Douro
Perdi um amigo duradouro
Quando já havia um tesouro
Deixando-me deveras morredouro


JP

  

2014/Dezembro –versão completa